quinta-feira, 31 de março de 2011

Dois Presente: Um Confronto de Realidades

Uma vez me disseram  que um bom escritor é aquele que mesmo escrevendo uma obra fictícia, exprime a realidade do mundo. E falaram-me também que uma boa maneira de se começar a escrever é de retratar a nossa vida, o nosso cotidiano: escrever as crônicas da realidade!
Há uns três anos atrás estava no ônibus, quando me deparei com uma moça um pouco mais velha do que eu. Ela chamou-me  muito a atenção, porque me lembrava alguém conhecido.
A moça demonstrava reconhecer-me também, todavia, havia em seu olhar um misto de decepção e vergonha. Aos poucos aquele rosto sem dono veio a ganhar um nome em meio as minhas lembranças de menina!
Então, lembrei-me dela, que aos olhos dos demais naquele ônibus não passava de uma simples e solitária mãe adolescente junto aos seus três filhos, mas que para mim costumava ser uma garota alegre e sorridente que há  muito  estudava comigo anos atrás.
No nosso bairro fazíamos aula de reforço, e na época eu cursava a primeira série enquanto ela devia de estar na segunda ou terceira série, confesso que já não me lembro em detalhes; há muito já não lhe via, ou sequer tinha notícias de sua parte, pois com o passar do tempo seguimos por caminhos diferentes, mas não imaginava o quão verdadeiro isso era.
Ela, sendo uma criança deixando a infância  e ao mesmo tempo uma menina descobrindo o que é ser mulher, ali com seus filhos já  não sabendo se era mais uma entre eles.
Indiferente aos demais passageiros, ela seguia não sei a que destino, um médico talvez, detalhe que nunca saberei, enquanto que eu seguia a mais uma de minhas aulas de inglês. Aula que momentos antes do reencontro com minha antiga companheira, fazia sentir-me apenas mais cansada e desejosa por estar em qualquer outro lugar, só não em outra sala de aula, pois já havia ficado em uma durante o resto do dia.
Ao vê-la naquela situação, mãe de três filhos pequenos e sendo ainda tão jovem, vi-me a pensar: “e se fosse eu?”, “como ela chegou naquele ponto?” e ainda perguntei-me se tudo poderia ter sido diferente.
Só depois daquelas indagações, descobri o que significava o seu olhar, aquele mesmo que me dizia que poderia ser ela a estar indo estudar, indo a qualquer outro lugar de sua idade, ou apenas indo aproveitar a sua efêmera juventude.
Naquele momento já era eu a sentir-me vazia, culpada e julgada, pensando se havia cometido algum erro por ter gasto a maior parte do meu tempo nos estudos e aproveitando as boas oportunidades em minha vida. Ela ali estava tão indiferente a sua situação, aos comentários maldosos das pessoas do ônibus, sendo apenas uma mãe com seus filhos...
Sentindo-me acovardada, não tive coragem de lhe dirigir a palavra, mas sabia que não precisava de tanto para comunicar-me com ela, meu olhar já dizia tudo! Já não podia mais suportar aquela embaraçosa situação, mesmo sabendo o quão trivial cenas como essa já eram perante a sociedade.
A humanidade nas pessoas há muito já havia se perdido ante a realidade de uma mãe adolescente, tudo apenas era parte do enredo da vida real. É incrível como o simples fato dos “personagens” de “novelas” como a dela serem próximos de nós, já muda nossa percepção dos fatos.
Uma garota que antes representava um pesar  para  a sociedade,  motivo de zombaria a moral da mesma, encontrando-se  distante do nosso convívio quase como um ser mistificado, de repente torna-se uma pessoa de carne e osso, conhecida nossa, com sentimentos, desilusões, sonhos e paixões igual a qualquer um. O “muro” enfim é desfeito, a realidade dos jornais e das novelas agora já nos é palpável sendo impossível de continuar a negá-lo.
 A velocidade do ônibus pareceu-me mais lenta do que o de costume, fazendo com que a troca de olhares se realizasse como que em câmera lenta, aumentando a  angustia do momento. Ainda bem que logo avistei a minha parada e, ao descer, não pude resistir e olhei mais uma vez para aquela cena: o presente confrontando-se com minhas lembranças de menina!
Um último olhar confidenciado entre antigas amigas, deixado com o desejo de esperança e força que em tal situação é requerida; cumplicidade e emoção vieram à tona em meio as lagrimas que rolavam em seu rosto e em minha alma.
Não a vi de novo desde esse dia e não sei se voltarei a vê-la; mas até hoje um único questionamento não me foi respondido: ali, quem cuidava de quem? Uma, que há pouco tempo saiu das barras da saia da mãe, que brincava de casinha com suas bonecas, via agora sua brincadeira com  seriedade que antes não conhecia agora ela era mãe de verdade, e não apenas fingia.

Um comentário:

  1. Esse foi meu primeiro texto escrito; a semente da cronista que havia dentro de mim e eu nem sabia !
    Foi meu 1° filho amado e que hoje posto para compartilha-lo com o mundo e mostrar que graças a ele tudo começou...
    Graças tambem a meu querido professor Antonio que sempre apoiou minhas aventuras literarias, dendo-me força, animo e sábios conselhos a serem seguidos.
    Obrigada professor, se hoje me convenci a criar este blog foi porque um dia acreditaram que sabia escrever o mundo com a graça e leveza de uma cronista ! ^^

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